Assessoria Empresarial Uller

Mulheres abrem suas próprias empresas e dão a volta por cima

Brasileiras que conseguiram abrir seus próprios negócios e superar histórias de pobreza e dificuldade contam suas experiências.

Na loja da microempresária Ana Lúcia Reis, o movimento é para valer: das 8h às 23h, de segunda a sábado.

Ana hoje tem uns 300 clientes: a freguesia é fiel, as funcionárias têm carteira assinada e a proprietária garante que só está começando.

“A minha vontade agora é pegar a parte de cima e botar só a passadoria. Já fico sonhando em cada canto uma passadeira passando as roupas, contratando um boy fixo, de carro mesmo, pra poder entregar as minhas roupas”, conta Ana Lúcia, que diz ainda que não esperava esse sucesso todo dentro da comunidade, que fica na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, Rio de Janeiro. “Eu achava que teria sucesso no asfalto, não na comunidade. Mas a comunidade acabou me surpreendendo, eu faço sucesso aqui na comunidade mesmo.”, garante a microempresária.

Em 2009, Ana estava desempregada e sem dinheiro. Mas tinha intuição e uma enorme vontade de vencer. A lavanderia começou como a maioria dos empreendimentos no Brasil: bem pequena, em casa mesmo. “E acabou dando tanto sucesso que eu acabei ganhando mais que meu esposo. E foi daí que veio a idéia de realmente montar uma lavanderia”, conta Ana.

O primeiro passo para sair da cozinha foi se instalar em um quiosque, emprestado da associação dos moradores do morro. Lá, Ana fez uma aposta com o marido.

“’Se passar dos seis meses e não quebrar, a gente vai em frente’. E foi aí, quando chegou os seis meses, fizemos uma festa. Agora não quebra mais, agora é só divulgar e fazer sucesso”, comemora.

Daí para a loja foi um pulo.

A dona-de-casa Glória Gonçalves diz o que acha do serviço. “Ah, muito boa, roupa cheirozinha, muito boa a roupa”, elogia.

Quem lavava as roupas do cabeleireiro Moisés Neves era a mãe dele. Agora, ela se aposentou dessa função. “Agora só venho aqui”, conta.

Se a freguesia não traz a roupa, Ana manda buscar. Se a entrega é longe, manda levar.

“Eu faço a minha propaganda, eu mesmo vou pessoalmente, faço boca-a-boca, quando é cliente pela primeira vez eu mesma vou visitar, eu mesma me apresento como dona, mostro o panfleto e dou desconto. Se for cliente de toda a semana, ele ganha um quilo grátis, e daí vai a divulgação deles”, diz a microempresária.

Na comunidade, dizem que ela ficou rica. Mas ela jura que, ainda, não.

“A maior parte do nosso lucro a gente reinveste na loja, a gente não tira não, não tira nem o nosso, às vezes até põe da nossa casa, do extra que nós temos, que eu tenho uma casa alugada, meu esposo trabalha como motorista, e o dinheiro dele e o meu vem pra loja”, conta Ana.

A Ana sonha grande, ela quer ver o nome da lavanderia espalhado pelo Rio. E é melhor não duvidar dela: já foi criada a primeira filial da futura rede, na comunidade do Tuiuti, zona norte da cidade.

Outra que também pega no batente é dona Zenir Ribeiro, cheia de orgulho pelo sucesso da filha. “Eu estou feliz porque ela conseguiu o que ela queria, graças a Deus”, diz a mãe de Ana, Zenir Ribeiro.

Ana deixou a escola na sexta série, quando ficou grávida aos 15 anos. Com apenas 35, é mãe de quatro filhos e avó de duas netas.  Agora, quer recuperar o que deixou de lado. Nos planos estão o supletivo, a faculdade de administração e quantas lojas puder abrir.

“A próxima lavanderia eu não quero mais em comunidade. Eu quero lá em baixo, no asfalto, na rua principal. Não quero ficar na mesmice. Quero sair do morro e continuar com minha lavanderia de raiz aqui em cima, mas lá embaixo sair o nome da comunidade, que saiu uma do morro e foi pro asfalto”, conta Ana.

Em Mossoró, no Rio Grande do Norte, a artesã Francisca Fernandes também pensa grande. Sobre até onde ela planeja chegar, ela é categórica: “Até onde Deus permitir. Se Deus permitir que eu vá à Lua, eu vou”.

E se der, vai mesmo. Vencer obstáculos é uma coisa que ela sabe fazer muito bem. “Eu fiz grinalda pra defunto, eu fiz arranjo de noiva, eu costurei, eu passei, eu cozinhei, eu lavei roupa, eu já fui de tudo, já fui estilista de moda, já fiz de tudo para ver se mudava a situação”, conta a artesã.

Analfabeta, não tinha nem documentos. E a vida ia de mal a pior: “Já dei um filho porque eu não podia criar. Meu filho mais velho desmaiou de fome, e eu sem poder fazer nada porque era difícil a vida por eu nem saber escrever, não tinha como trabalhar. A pessoa não dava emprego por eu não saber ler nem escrever.”

Trabalhando como mecânico, seu Firmino, o marido, ganhava bem, mas não cuidava da família. Até que um dia, ele exagerou: negou R$ 1 para comprar pão. “Ele olhou bem para mim, enfiou a mão no bolso, pegou R$ 50, passou na minha cara e disse: ‘eu trabalhei, ganhei, então vou pro bar beber e escutar música do Roberto Carlos’”. E não deu R$ 1 para a esposa.

Nesse dia, ela apostou a última esperança: moldar figuras em biscuit, uma técnica de artesanato que tinha visto na televisão. A matéria prima era muito cara. Ela foi misturando o que tinha em casa: óleo, goma de mandioca, vinagre e sabonete. “Tentava fazer de todos os jeitos. Quando eu botei o sabonete, foi o ponto. O essencial foi o sabonete”, explica Francisca.

Os instrumentos de trabalho também foram improvisados: um pedaço de raio de bicicleta, agulha de crochê, um pedaço de cano, palito de coqueiro.

“A gente decorava sabonete, fazia ímã de geladeira, fazia chaveirinho, e todo mundo achava feio porque era aquela coisa envernizada, aquela coisa brilhosa e o povo criticando, dizendo que era feio”, conta.

As críticas negativas, as dificuldades para produzir e vender a sua arte nunca abateram Francisca, ao contrário. Como boa nordestina, essa mulher tem na perseverança o seu traço fundamental. Franscisca fez de Lampião e Maria Bonita seus personagens favoritos e, como eles, nunca desistiu da luta.

A luta melhorou muito depois que ela fez um curso de artesanato. O casal de cangaceiros ganhou estilo, em novos modelos e vários tamanhos. Com a ajuda da filha Adriana, a produção cresceu e as vendas também. Mas havia ainda muito que aprender. Até para tirar os documentos.

“Meu filho escreveu meu nome na parede: Francisca Fernandes – arte em biscuit. E aí, todo dia eu ficava ali sentada na porta, contando quantas letras tinha o meu nome e quais eram as letras do meu nome para poder escrever direitinho, correto, o meu nome. Para mim, foi como se eu tivesse nascido de novo, e outra coisa: melhorou minha autoestima. Eu virei outra pessoa”, comemora a artesã.Carlinhos, o filho mais velho, largou o emprego para trabalhar com a mãe e a irmã. Juntos, eles formam uma equipe de produção impressionante: em um mês, chegam a fazer cinco mil peças.

“O nosso carro-chefe são as peças miúdas e essas peças pequenas têm uma produção muito rápida. Num dia eu consigo fazer 150 cabeças dessas. A minha irmã já coloca o cabelo, o chapéu e está pronto”, explica Carlos André de Sousa, filho de Francisca.

E será que não cansa? Adriana de Sousa, filha de Francisca, diz que não. “Às vezes enjoa de fazer tanto cangaço, mas aí eu faço uma caricatura, uma bonequinha colorida, e daí já começo de novo no cangaço”, conta.

As caricaturas são de gente famosa: Xuxa, Ana Maria Braga, Louro José, Amy Winehouse, e até Michele Obama.

Com isso, a vida da família mudou muito. “Meu sonho era ter dois pares de chinelo e eu já tenho todos os que eu quero. A gente tem internet em casa, nunca que pensei ter internet.”, diz Francisca. Agora, não falta mais nada em casa. “Tudo o que eu quero, vou ao supermercado e compro. As pessoas me ajudar a chegar a ter nome de celebridade”.

Dez anos atrás ela precisava implorar R$ 1 do marido. Agora, seu Firmino jura que nem se lembra dessa história. E diz que tem o maior orgulho dela. “Uma mulher que nem essa daí não é todo mundo que tem não. São poucas”, elogia o aposentado Francisco Firmino da Costa Neto.

A microempresária Maria de Nazaré Nascimento é uma dessas mulheres. Em São Luís, capital do Maranhão, não há religioso que não conheça os paramentos que ela produz. E ela sonha até em fazer roupa para o Papa. “É verdade. É um sonho, e eu vou realizar”, confirma rindo.

E se essa baixinha promete, ela cumpre. Até chegar a seu atelier, num casarão histórico do centro da cidade, foi uma longa caminhada. E ela chegou. “Eu tenho que contar essa história muitas e muitas vezes, para encorajar essas mulheres que às vezes acham que não tem mais jeito, que tem que se entregar e não é bem assim, tem que acreditar, correr, trabalhar, coragem, pensar nos filhos”, incentiva.

Tudo começou numa pequena cidade do interior do Maranhão, onde Nazaré vivia sob o domínio de um marido muito violento. Foram tempos de dor e de medo, para ela e para os quatro filhos menores. Pra sair dessa situação, Nazaré precisava ter um trabalho. Para isso, ela foi estudar corte e costura, escondida do marido.

“Não tinha liberdade, ele não deixava. Até mesmo ir para a missa, tinha que ser escondido, era aquela coisa. E eu vivendo aquela vida de desespero, de sofrimento, muitas vezes faltava comida, não pela pobreza, mas pela ruindade dele mesmo”, diz Nazaré.

Recém-formada, ela fez as primeiras vestes litúrgicas seguindo as orientações de um padre amigo. Mas o negócio não dava certo no interior. Ela tinha que encarar a mudança para a capital.

“Falei assim: ‘mãe, seja o que Deus quiser’. E ela falou: ‘vai, tu vai conseguir. Se você não conseguir, você volta, mas vai conseguir e nem vai querer voltar’”, conta a microempresária.

E ela foi, mesmo precisando deixar pra trás as filhas pequenas. Na bagagem, levou quase nada: só mesmo as máquinas usadas.

Para quem começou só com duas máquinas velhas, sua oficina dá bem a medida do sucesso de Nazaré. Hoje são 14 funcionárias e a equipe deve crescer ainda mais. Trabalho é o que não falta. Só para a Páscoa do ano passado, as costureiras chegaram a produzir, em um mês, mais de 1500 peças.

“Quando eu cheguei em São Luís, eu não tinha condições nem de alugar uma casa, por mais barata que fosse. Batia nas portas das lojas de tecido, contava a minha situação e nada. Porque assim: ‘você tem cartão?’. ‘Não’. ‘Tem cheque?’. ‘Não’. ‘Então nós não vendemos’. Aí muitas vezes eu deixava de comprar alimentação para comprar o tecido, porque eu tinha que pagar o aluguel, pagar a água, pagar a luz e não tinha outra saída”, lembra Nazaré.

Católica fervorosa, Nazaré fez muitos amigos na igreja e, com a ajuda deles, venceu. Hoje, são clientes fiéis, que recebem de volta o carinho da amiga.

O padre Cosmo de Sousa Almeida sempre compra fiado com Nazaré, mas garante sempre pagar. “Pago direitinho. Mas a gente paga como pode. Ela diz ‘quando puder, deposita’, e dá o número da conta. Aí, a gente deposita e liga pra ela”, conta rindo o padre.

E Nazaré diz nunca ter sido enganada: “Nunca perdi, nenhuma conta. Eles pagam direitinho”.

O padre Tarcísio Sousa explica o porquê de todo padre ficar amigo de Nazaré. “Porque ela é um amor”, garante. E quando ela diz a mesma coisa dos padres, o padre Tarcísio completa: “É um amor mútuo, recíproco, entre nós e a Nazaré. Com certeza”.

Na Catedral da Sé, padre Cesar confessa: tem uma coleção de peças do atelier. “Eu me sinto muito bonito. E mais que bonito, mais realizado, feliz. Dona Nazaré contribui para essa nossa alegria de sentir-se bem vestido”, conta rindo o padre.

Feliz nos negócios e no amor: o novo marido de Nazaré trabalha no ateliê. E se conheceram na igreja.

No almoço, patroa e funcionárias dividem a mesma mesa. Muitas das mulheres viviam em dificuldades. Nazaré deu a elas profissão e esperança.

“Eu não sabia costurar. Ela disse que se eu quisesse aprender, ela me ensinava”, conta a costureira Lilian Aguiar, que diz ainda que estava precisando muito do emprego. “Eu não sabia nada e é difícil achar alguém que queira ensinar como ela fez”, conta a costureira.

Apenas dez anos, e a costureirinha do interior virou capitã de uma próspera empresa familiar. As filhas criam os desenhos e controlam modernas máquinas de bordado. O filho é o gerente.

“É um dos motivos de eu chorar, porque tem hora que eu me belisco. ‘Será que sou eu? Como eu cheguei aqui? Como eu consegui sobreviver?’”, se questiona Nazaré.

E ela ainda quer muito mais. Gerar novos empregos é só um dos planos para o futuro.

“Esse choro é de felicidade, de vitória, de sucesso”, afirmou a costureira.

 

 

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